A greve ainda é um instrumento viável na luta por conquistas?

Não é nenhuma novidade para mim que colegas da lida docente não acreditem mais no instrumento da greve. Muitos e muitas, em reuniões da categoria, levantam a mão contrários à greve, porque não conseguem enxergar nela possibilidade de ganhos efetivos e mudanças rápidas; questionam também os líderes, que já não são os mesmos, mostram-se sem criatividade política e cultural, alguns até muito desmotivados com tanta peleja.

Deixando um pouco de lado, por enquanto, as questões ligadas às condições históricas e objetivas no que tange à necessidade de se disparar uma greve, compartilho aqui dados já divulgados pelo Andes-SN sobre a efetividade das greves, desde os anos 80, do século XX.

No âmbito das IFEs,  nos anos 80, tivemos sete greves; nos anos 90, seis; nos anos 2000, seis greves. Para uma leitura rápida, sintetizei algumas informações sobre essas greves de modo a facilitar uma avaliação da efetividade desse instrumento de luta, considerando, sobretudo, seus objetivos, suas pautas/reivindicações e seus resultados. Vejamos:

GREVE/ANO Nº DE IFES EM GREVE REIVINDICAÇÕES RESULTADOS
1980

(26 dias de duração)

19 ·         Reposição salarial de 48% retroativa a mar./80,

·         Um novo plano de carreira,

·         Verbas para a educação até atingir a 12% do orçamento da união,

·         Reajuste salarial semestral,

·         Revogação imediata do D.I. n.6733/79.

Em 11/12/80 foram publicados o D.L. n. 820 e o Decreto n. 85.487, estabelecendo um novo plano de carreira do magistério superior das Instituições Federais Autárquicas e o reenquadramento dos docentes.
1981

(20 dias de duração)

20 ·         Reposição salarial de 45%, retroativa a mar./8l;

·         Reajuste semestral igual ao INPC, em set./8l;

·         Enquadramento dos professores colaboradores que haviam sido discriminados em 80;

·         12% do orçamento federal para a educação.

  • Reposição salarial de 30% para os docentes das IES autárquicas, a partir de 01/1/82;
  • Reenquadramento dos colaboradores discriminados;
  • Fixação de um prazo de seis meses para discutir a reestruturação da universidade.
1982

(32 dias de duração)

18
  • Reposição salarial de 23,8% sobre o salário de maio/82;
  • Reajuste semestral igual ao INPC, em nov./82;
  • Aposentadoria integral;
  • Atribuição das vantagens dos estatutários aos regidos pela CTL, e vice-versa;
  • Correção de distorções no enquadramento na nova carreira docente;
  • Reestruturação da universidade com base na proposta da ANDES.
Recuo do governo na implantação, via decreto, do ensino pago nas universidades federais e da transformação das autarquias em fundações.
1984

(84 dias de duração)

19
  • Reposição de 64,8% sobre o salário de jan./84;
  • Reajuste semestral, em jul./84, com base no INPC e garantido por lei;
  • 13º salário para os estatutários e quinquênio para os celetistas;
  • Piso salarial de três salários mínimos para os servidores técnico-administrativos;
  • Verbas para o pleno funcionamento das IES.
A greve se encerrou sem nenhuma conquista. Mas em jan./85 os docentes das autarquias tiveram uma reposição salarial de 20%, interpretado como resultado da greve de 84.
1985

(45 dias de duração)

16
  • Reposição salarial de 38,5%,
  • Reajuste salarial igual ao INPC do semestre,
  • Implantação de reajuste trimestral,
  • Adicional de 5% a cada quinquênio,
  • Adicional de não inferior a 50%,
  • 5% de produtividade,
  • Aposentadoria integral,
  • Verbas para custeio e capital das IES fundacionais no montante de 954 bilhões de cruzeiros.
O MEC comprometeu-se a elaborar um novo Plano de Cargos e Salários para as lES fundacionais, com isonomia salarial, a entrar em vigor em jan./86. (Com o novo plano de cargos e salários, algumas categorias de docentes em algumas fundações tiveram, em 86, ganho superior a 50%)
1987

(44 dias de duração)

45
  • Adoção do Plano Único de Carreira para as IES federais, proposto pela ANDES;
  • Isonomia salarial plena aos docentes das autarquias e fundações, segundo a tabela salarial proposta pela ANDES;
  • Aposentadoria integral
  • Verbas de custeio e capital no valor de 20,3 bilhões de cruzados, para retornar aos níveis de 1973;
  • Revogação da proibição de contratação de pessoal nas IES federais.
  • Aprovado pelo Congresso Nacional a Lei n.7.596, de 10 de abril de 1987, criando o Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos (PUCRCE).
  • Em 23/7/87, o Decreto n. 4.664 regulamentou a Lei 7.596/87. A nova tabela salarial teve efeito financeiro retroativo a abr./87.
1989

(66 dias de duração)

42
  • Verbas para OCC correspondendo a 27,8% do orçamento global das IFES;
  • Revogação da proibição de contratações e abertura de concurso público para atender às necessidades das IFES;
  • Reposição salarial, de ABR/89, de 59,74%, acrescido do índice de custo de vida (ICV) do DIEESE;
  • Reajuste mensal dos salários;
  • Aposentadoria integral;
  • Carreira única para os docentes de lº, 2ºe 3º graus;
  • Regulamentação integral e aplicação imediata do PUCRCE em todas as IFES.
  • Reposição salarial de 30% aos SPF em geral, em maio/89.
  • Em julho, o governo se comprometeu a liberar verbas para a manutenção das IFES, a título de suplementação, no montante de 453 milhões de cruzados novos, a preços de abr./89.
  • O plano de carreira dos docentes recebeu algumas alterações: o incentivo de DE para os docentes do 3º grau, passou de 40 para 50% sobre o salário base; para os docentes de 10 e 20 graus das IFES, este percentual passou de 25 para 30%; a progressão horizontal de um nível para outro da carreira passou de 4 para 5%.
  • O governo autorizou a contratação, para o conjunto das IFES, de 760 docentes e de 1340 servidores técnico-administrativos.
1991

(107 dias de duração)

48
  • Recomposição dos salários aos valores reais de abr./90, implicando numa reposição de 44,38%;
  • Incorporação aos vencimentos dos docentes das perdas salariais provocadas pelos planos econômicos “Bresser” (26,06%), “verão” (26,05%) e “Collor 1” (93,54%); (reajuste total reivindicado: 640,39%);
  • Repasse para as IFES do saldo das verbas previstas no orçamento/90 e dos recursos estabelecidos no orçamento/9l, em valores reais;
  • Abertura de concurso público para preencher vagas existentes nas IFES e para expansão do quadro de pessoal, com a imediata contratação dos selecionados;
  • Escolha dos dirigentes das IFES por processo de eleições diretas e democráticas, esgotando-se o processo no interior das IFES;
  • Garantia de repasse para a Andes-SN das contribuições dos docentes por ela representados (direitos sindicais), conforme a constituição federal.
  • Rejeição pelo Congresso Nacional da MP n. 296/91, a qual excluía docentes e servidores das IFES e diversas outras categorias de SPF dos reajustes propostos pelo governo;
  • Reajuste salarial geral aos SPF de 20% e correção da tabela de vencimentos dos docentes das IFES (e de outras categorias) pelo Projeto de Lei n. 1390/91, em jul./9l: para os docentes, este reajuste variou de 51,8% (para Prof. Auxiliar 1 Regime de 20 h) a 77,45% (para Prof. Titular com DE e doutorado);
  • Em set./9l, os docentes das IFES conquistaram novo reajuste (nova tabela) com o PL n. 1611/91, resultando num índice de aumento que variou de 20% (para Auxiliar 1, 20 h, sem pós-graduação) a 48,8% (para Prof. Titular, com DE, tendo doutorado).
1993

(28 dias de duração)

23
  • Política salarial com reajustes mensais;
  • Incorporação da gratificação aos vencimentos;
  • Fim das distorções no processo de isonomia entre os três poderes;
  • Plano nacional de capacitação docente;
  • Reajuste de 106,8% para os servidores.
  • Reajuste de 85% dos salários dos servidores;
  • Reajustes quadrimestrais (80% da inflação) antecipações bimestrais (50% da inflação);
  • Negociação de um plano de carreira;
  • Pendentes: falta de isonomia interna e a reposição das aulas
1994

(34 dias de duração)

5 IFES + outra AD’s (greve parcial) Posição unitária da classe de contraposição às investidas que o governo Itamar e as elites que lhe davam sustentação, vinham fazendo contra os interesses da maioria da sociedade brasileira; forçando uma legítima e danosa Revisão Constitucional e um Ajuste Fiscal que provocou perdas salariais.
  • Abertura da negociação em torno da isonomia entre os três poderes;
  • Negada a inclusão das emendas do movimento sindical na MP – 482;

·         Legitimação do direito de greve no serviço público

1995

(23 dias de duração)

+ ou – 15 mil docentes paralisados (Folha de SP 20/5/95)
  • Controle social das empresas e do serviço público;
  • Defesa da previdência pública e das aposentadorias por tempo de serviço;
  • Política salarial;
  • Rejeição do substitutivo do senador Darcy ribeiro p/ a IDB e aprovação da PLC 101/93;
  • Reintegração dos demitidos na reforma administrativa do governo Collor;
  • Afastada a possibilidade de privatização das instituições públicas;
  • Resgate do substitutivo do senador Cid Sabóia, que foi ao plenário do senado federal junto com o substitutivo do senador Darcy Ribeiro.
1996

(56 dias de duração)

45 ·         Reajuste de 46,19%;

·         Retirada dos projetos de reforma da previdência administrativa;

  • STF decide que SPFs têm direito à greve, que deve ser regulamentada pelo Congresso Nacional;
  • Ameaça do Governo de corte de ponto e demissões;
  • Recuo na posição de enviar ao Congresso o Projeto de Autonomia das Universidades;
  • Promessa de discussão sobre mais contratações e verbas para as IFES.
1998

(103 dias de duração)

46
  • 48,65% de reposição salarial;
  • Preservação da qualidade do ensino público;
  • Autonomia às universidades na implementação do plano de incentivo à docência (PID).
  • Ganharam 60% das gratificações previstas na lei Federal (GED).
2000

(87 dias de duração)

31
  • Isonomia salarial;
  • Reajuste de 63,68 % das perdas;
  • Fixação da data-base em 1º de maio;
  • Reposição salarial imediata;
  • Consolidação das carreiras específicas a partir do estatuto do serviço público;
  • Incorporação das gratificações sem discriminação dos professores aposentados e do ensino de 1º e 2º graus.
  • Barrou o Projeto de Autonomia do MEC para as Universidades brasileiras;
  • Barrou o envio ao Congresso do Projeto de Emprego Público, do Governo Federal;
  • Inclusão da elevação da massa salarial na LDO.
2001

(110 dias de duração)

52
  • Alteração do percentual de Titulação de 50% para 72% para doutores, de 25% para 36% para mestres, de 12% para 18% para especialistas e de 5% para 9% para aperfeiçoamento;
  • Equiparação da GID à GED;
  • Extensão de 60% da GID aos inativos das carreiras de 1º e 2º graus;
  • Avaliação e carreira docente;
  • Paridade e isonomia de vencimentos entre ativos e inativos;
  • Recomposição do quadro funcional das IFES.
  • Reajuste salarial de 12% a 13% no salário base;
  • 3,5% de aumento para todos os funcionários públicos;
  • Repasse de 60% da gratificação de incentivo à docência (gid) aos professores inativos;
  • Contratação de dois mil professores ao longo 2002-11-14 criação de grupos de discussão para estudar mudanças na carreira acadêmica, autonomia universitária, entre outros.
2003

(36 dias de duração)

35 Contra a PEC 40/03 (Reforma da Previdência). A PEC foi aprovada com modificações. A mobilização evitou prejuízos mais graves;
2005

(106 dias de duração)

40
  • Entre os pontos nodais da reivindicação estão a valorização do trabalho docente e em defesa da Universidade Pública, Gratuita, Autônoma, Democrática, Laica e de Qualidade Socialmente Referenciada, contra a mercantilização da educação e pelo aumento da dotação orçamentária para as IFES;
  • Reajuste de 18% como parte de recomposição salarial;
  • Incorporação da GED, com equiparação pelos seus valores mais altos e da GAE, com paridade e isonomia;
  • Retomada dos anuênios;
  • Abertura imediata da discussão em torno da carreira única para os docentes das IFE, envolvendo o MEC, o ANDES-SN e o SINASEFE, com definição de calendário de trabalho com prazo para conclusão que anteceda o 25º Congresso do ANDES-SN;
  • Realização de concursos públicos para reposição de todas as vagas nas IFES.
O Governo Federal, mesmo não atendendo o conjunto das reivindicações dos professores em greve, por força de pressão, acabou aumentando os recursos para melhorar os salários da categoria de R$ 300 milhões para R$ 600 milhões.
2012

(120 dias de duração)

50
  • Nefasto alongamento da carreira (o gov. queria criar uma nova classe – Sênior acima do associado);
  • Remuneração: gratificação GEMAS;
  • Adicionais de insalubridade/periculosidade
  • Nova carreira;
  • Amplitude da carreira e níveis remuneratórios;
  • EBTT: progressão D I para D III;
  • Reajuste salarial linear? “reposição zero”!
  • Estruturação (divisão) da carreira em dois cargos.
  • Dois dias antes de deflagrar a greve o governo retirou a proposta.
  • A greve obrigou o governo a abreviar a tramitação, convertendo o PL em Medida Provisória (MP 568) com imediata entrada em vigor (salário de maio/2012);
  • A greve forçou o governo a recuar, voltando a calcular esses adicionais como percentuais sobre o vencimento básico;
  • A greve forçou o governo a recuar. O PL 4368 cria um “Plano de Carreiras de Magistério Federal” abrigando as duas carreiras atuais (Magistério Superior e EBTT), que são reestruturadas;
  • A greve forçou o governo a aceitar a proposta do ANDES-SN de 13 níveis remuneratórios. No entanto, perigosamente, nenhum artigo do PL 4368 fixa a amplitude da carreira. Por isso, o ANDES-SN propõe uma emenda ao artigo 1º, a qual explicita a existência de “um total de 13 níveis de vencimentos distribuídos nas classes…”;
  • O Decreto 7806 de setembro/2012 permite a imediata concessão da progressão D I para D III;
  • A greve impôs ao governo conceder reajuste linear de no mínimo 15,8% (escalonados sobre três anos: 2013 a 2015) para todos, além de correções e ajustes específicos para cada categoria. Para os docentes federais, as porcentagens são maiores, mas desiguais segundo as classes e níveis; devem ser avaliadas em relação ao período de agosto/2010 a março 2015. Os valores anunciados para 2013 apontam um reajuste aproximado de 13% (VB + RT). Considerando-se as perdas inflacionárias passadas (desde agosto de 2010) e projetadas (até março de 2013), as perdas foram no mínimo reduzidas ou empatadas, havendo vitória do movimento contra o congelamento e o arrocho;
  • O governo aceitou a proposta do ANDES-SN de incorporação do titular à carreira.

Fonte: ANDES-SN

Bom, é muita informação, mas fica evidente que, quando conseguimos estabelecer uma relação de força que nos é favorável – e esse fato tem tudo a ver com nossa capacidade de compreensão da conjuntura e estrutura da sociedade, bem como da mobilização, organização e negociação junto ao governo e seus aliados – nós avançamos na direção do que queremos e precisamos conquistar, para fazer valer nossos direitos e os direitos da população, especialmente dos segmentos que historicamente são explorados e excluídos dos bens sociais, culturais, políticos, dentre outros.

Portanto, a greve ainda é um instrumento eficaz, o que não invalida avançarmos na construção de outros. Em última análise, portanto, podemos dizer que todas as conquistas salariais e referentes à carreira docente tiveram como instrumento a greve nas instituições de ensino. Não apenas isso, as greves conquistaram avanços importantes e estratégicos para a vida universitária em geral e para o acesso a direitos; e, em outras situações, as greves foram barreiras interpostas às propostas governamentais danosas à universidade pública, que não foram aplicadas ou o foram de maneira limitada, graças à luta e à força dos trabalhadores da educação.

Finalizando, caberia uma pergunta: quem tem medo da luta?



Author: Osmar Braga

É pedagogo, pós-graduado em educação, professor universitário, possui grande vivência na área social, principalmente com projetos sociais, presta consultorias a ONGs, organizações sociais e comunitárias, grupos e redes juvenis, é amante e militante da Educação Popular.

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